A ciade de Recife esqueceu dos seus espaços da história negra?

Emannuel Bento

6/5/2024

A história de Pernambuco é indissociável da prática de um crime contra a humanidade: o tráfico de pessoas escravizadas. Estudos recentes estimam que o Recife foi o quinto ou sexto porto que mais organizou viagens negreiras nas Américas. Isso explica a intensa presença africana na cidade.

Apesar disso, talvez pela sina de ser a "Veneza Brasileira" (referência europeia), a cidade viveu um esquecimento sobre os espaços dessas memórias. Muitos lugares, inclusive, estão nos roteiros turísticos, mas que têm essa ligação apagada. Reviver esse histórico é, portanto, um exercício manter viva a memória de um flagelo social, mas também da cultura do povo negro brasileiro.

Ilustração da Rua do Bom Jesus

Rua do Bom Jesus
Uma das vias mais famosas da cidade é um exemplo. A Rua do Bom Jesus, eleita como a terceira via mais bonita do mundo pela Architectural Digest (EUA), é bastante lembrada por ter a primeira sinagoga das Américas (Kahal Zur).

Contudo, lá também foi um espaço de quarentena e venda de escravizados, que chegavam pelos navios atracados do Porto.

Museu do Estado
O prédio do Museu do Estado de Pernambuco, nas Graças, foi construído a mando de Francisco de Oliveira, o Barão de Beberibe, um dos maiores traficantes de escravos do século 19. Apesar disso, a instituição prefere citar o filho, Augusto, que reformou o palacete no estilo atual. A omissão esconde que a opulência deriva desta mácula da história.

Pátio do Carmo
Movimentado espaço do Centro, foi local da exposição dos restos mortais (incluindo cabeça) do maior herói da resistência negra: Zumbi dos Palmares. A violência era um aviso ao povo negro.  Hoje, existe uma escultura de Abelardo da Hora para homenageá-lo. O pátio também era espaço de atividade de negras vendeiras e outras atividades de escravos urbanos.

Cruz do Patrão
Espaço lembrado em roteiros de "assombrações do Recife", este monumento do século 17 era palco de rituais de religiões de matriz africana desde os tempos coloniais. Existe um mito de que escravos teriam sido enterrados por lá, o que nunca foi comprovado. Assim, parte da fama de "assombração" vem, na verdade, de uma certa intolerância religiosa.

É um local onde os fieis ainda depositam oferendas até hoje.

Mercado de São José e Paço da Alfândega
O Mercado era frequentados por comerciantes, pessoas escravizadas e homens livres negros, sendo um local de trabalho dessa parte da população.

Já o antigo Edifício da Alfândega tinha forte presença de homens negros escravizados carregando caixas, barris, empurrando carroças, entre outras atividades, como escravas vendeiras.

Pátio do Terço
Podemos considerar que até mesmo alguns espaços de exaltação da cultura negra (não necessariamente ligados ao sofrimento escravagista) poderiam ser mais ressaltados.

Este Pátio foi por muito tempo reduto de terreiros e agremiações, sendo até hoje a casa do bloco de samba Saberé. Nos anos 1960, começa por lá a Noite dos Tambores Silenciosos, importante festividade religiosa que envolve maracatus e ocorre até hoje no Carnaval.

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Emannuel Bento

Jornalista e criador de conteúdo apaixonado por cultura.