Milhões de plays no streaming, prejuízo de milhões na bilheteria

Caio Braz

14/3/2024

A empresária da música e eventos Nicole Balestro soltou o verbo no Xwitter e trouxe à tona uma discussão importante que acontece nos bastidores do mercado da música: como os cachês dos artistas estão cada vez mais caros.

'É simplesmente impossível hoje contratar um artista que está bombando nas redes. Cachês caríssimos, passagens caríssimas, riders caríssimos. A conta não fecha, não vou tomar prejuízo pra fazer a cena acontecer.', conta uma produtora independente do Nordeste.

Essa discussão toca em uma ferida muito sensível do mercado da música e eventos: a pista, a rua, os palcos são hoje a principal fonte de renda dos artistas.

Ao mesmo tempo, como garantir um equilíbrio saudável entre produtores independentes, artistas independentes, para que viver de música não dependa da escalação em festivais e dos hypes da cena?

Festivais de músicas são eventos importantes para a cultura, mas não podem ser os únicos atores.

Multimilionários, os festivais cheios de patrocínios ao mesmo tempo que fomentam a cena, criam a falsa ilusão de que os artistas são muito rentáveis, inflacionando seus cachês.

A pergunta é: aquele artista encheria um show sozinho? Segundo alguns produtores independentes, não.

Por outro lado…

Artistas independentes investem muito em suas carreiras: gravação de álbuns, equipe, stylists, maquiadores, bons videoclipes ($$$), estratégias de redes sociais. Não há gravadora bancando, não há plano B, não há investidor.

Estão errados em cobrar os valores que acham justos para manter sua estrutura, crescer e prosperar? 

Como nadam os tubarões…

Vocês já perceberam que cada vez mais os grandes artistas têm se movido como empresários e feito suas próprias festas? Alguns exemplos são Ensaios da Anitta, Numanice, Bloco do Silva, Desmanttelo do Nattan, Tardezinha.

Sim, são artistas enormes, com realidades financeiras bem distantes da cena indie, mas estas festas proprietárias não deixam de apontar um caminho de mercado: para os líderes do mercado comercial, compensa mais fazer o seu próprio evento do que vender show.

E quem está fora dos palcos?

De um lado temos produtores reclamando dos cachês caros de artistas que "não vendem ingresso" e por outro lado, temos milhares de artistas que não tem tantos seguidores nas redes sociais pedindo oportunidades para tocar, mostrar seu trabalho, ampliar o seu público, sair da bolha digital e entrar em contato com a pista, o público, fazer música ao vivo. 

Estes artistas estão sendo vistos pelos produtores?

Casas de shows: por onde andam?

Vocês já repararam como nas cidades brasileiras há cada vez menos casas de shows?

São cada vez mais raras as casas de shows que abriam de quarta a domingo, como um palco fixo para artistas de todas as estaturas, que tem um papel super importante com a construção de cena musical de uma cidade.

Artista tem que ter palco, cidade tem que ter palco. 

Com cachês exorbitantes e pouca bilheteria, é cada vez mais difícil que casas de shows consigam se sustentar por muito tempo.

Midstream e políticas públicas

A outra face da moeda é a das políticas públicas e da importância em preservá-las para o fomento artístico.

Sem editais de incentivo, ou espaços de cultura como o SESC (o maior dos exemplos do Brasil de democratização da música e curadoria inclusiva), seria impossível que a cena da música girasse. Nem bilheteria, nem publicidade, nem festivais sustentariam uma cena inteira.

Sem elas, não há música brasileira.

Caio Braz

Caio Braz é jornalista e criador de conteúdo, apaixonado por geografia, idiomas e cultura.